Friday, January 11, 2008

PUBLICADOS NA REVISTA CONTINENTE MULTICULTURAL



UM BLUES

Se amaram durante cinco meses. “Tudo bem. Cinco é um pentagrama, um número mágico, símbolo do homem, o microcosmo”, consolou-se um, que era místico, magro, e artista plástico. O outro, estudante de medicina, tímido e prático, pouco falava. O primeiro chegou a expor no estrangeiro, mas acabou se matando. (O valor dos seus quadros vem subindo.) Se mataria, de qualquer forma, aquela história: cigarros demais, álcool demais, e ansiolíticos de menos. O outro (calou-se de vez): formatura, cidade do interior, consultório, casamento, um filho; que no final do dia costuma abraçar com uma ternura imensa.

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ÚLTIMA LENDA

Eu era apenas um velho baú onde ela depositava estrelas, planetas, galáxias. Ambiciosa que era jamais prestou atenção em mim: velho baú de carvalho.
Eu possuía o universo. Ela, não.

Wednesday, January 02, 2008

PUBLICADO NA REVISTA CONTINENTE MULTICULTURAL


DURANTE A QUEDA

Durante a queda esqueci o porquê de haver pulado do trigésimo quinto andar do edifício da Previdência Social. Eu estava desempregado? Estava. Contudo, há milhões de desempregados pelo país a fora, mas só eu estava caindo. Falhara em conquistar o amor de Hilda? Falhara. Há milhões de malsucedidos no amor, mas só eu caía. Por mais que se esforçasse não conseguia me lembrar, por que eu pulara.
Apelei para os Céus: Por queeeeeeeeeeeeeeeeeeeeê?
E a queda transformou meu apelo num horrendo grito.
A pergunta e a angústia, portanto, continuavam, como eu, no ar.
Por muito pouco. Porque o tempo nos impõe mais limites que o desespero, a falta de dinheiro ou o desejo. E na queda, como na vida, o tempo se esgota antes da resposta.

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PUBLICADO NA REVISTA CONTINENTE MULTICULTURAL


BALÕES

Ao me levar ao parque meu pai não comprava balões – e eu hipnotizado pelo vermelho-vivo, o amarelo, o azul esticado nas bexigas flutuantes. No fim, voltava arrastando minha frustração; custava tão pouco, a felicidade.
Hoje sei. Com aquele gesto rude, meu pai visava me guardar da fragilidade das esferas. Adiar meu choro. Meu pai não queria que eu descobrisse, tão cedo, a finitude de tudo.

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AMANHÃ, TALVEZ

Quando o escritor morrer publicaremos meia dúzia de biografias. Em uma delas irá constar que o escritor era ateu; na outra que era homossexual; em uma outra que fumava haxixe, violentava meninas, era comunista, torcia pelo Náutico, colecionava pêlos púbicos, e por aí afora. Quando o escritor morrer, criaremos em sua memória um prêmio de cobiçados 440 mil; batizaremos ruas com seu nome e o Patrimônio Histórico tombará sua antiga e modesta morada. Reeditaremos todos os seus livros. E descobriremos quatro obras inéditas. No primário, alunos decorarão seus versos; no colegial, a contragosto lerão seus livros. Quando o escritor morrer, seu nome constará em todos os exames vestibulares. O troféu que em vida negamos, agora lhe dedicaremos – in memoriam. A platéia se levantará e depois dos aplausos observará um minuto de silêncio. Quando o escritor morrer, tudo isto e muito mais faremos.

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AMOR (ROBERTO, O RATO)

Ei, aqui embaixo!
É isso mesmo; sou eu, Roberto, o Rato. Rattus norvegicus, para ser preciso. Ratazana de esgoto, no popular. “Roberto” é culpa de Zilda, a louca. E, por sua vez, o nome dela é culpa da pequena cidade, que a apelidou assim. Meu Deus! Uma senhora de 89 anos! “A doida do rato”, é o que dizem. Não, não existe respeito. Mas as pessoas são assim mesmo: 99 por cento delas não valem nada – e o outro um por cento não se encontra. 99 por cento delas não produzem nada mais que fezes e lixo. (E merda das mais fedorentas – lixo atômico-apocalíptico da pior espécie.) Zilda, pelo menos, escreve poemas – uns poemas bestas, vá lá – e me alimenta. Fica jogando seu arroz branco na borda do bueiro em frente a sua casa velha. Gosta de me ver, me ama, e é odiada. As pessoas não gostam de velhos – quase tanto quanto não gostam de ratos. Meninos lhe atiram pedras, senhoras mudam de calçada. O malcheiro de Zilda, alegam. Ninguém quer saber da água que lhe cortaram, ou do sacrifício que faz para sobreviver com a aposentadoria. Um rato não viveria melhor. Ninguém se pergunta o porquê da casa caindo aos pedaços, ninguém mesmo. Nem os filhos (uns oito, a julgar pelas fotos espalhadas). É... as pessoas são o que são. Eu fico olhando o cinza desbotado da solidão de Zilda e concluo que a humanidade não presta. Dá vontade de vomitar – mas ratos não vomitam, embora se enojem. Então vamos ao arroz grudento.

Tuesday, January 01, 2008

UM 2008 DE VENTURA!



Ilustração, de minha autoria (sim, meus queridos, às vezes rabisco!) de meu próximo infantil (editora e título, por enquanto, são segredos).